Os defensores da tourada são vistos, provavelmente com alguma justiça, como conservadores dos quatro costados, sem nenhum tipo de flexibilidade para rever os valores e cortar com o passado. Como valor absoluto, não tenho grande simpatia pelo conservadorismo, e seria até desastroso, em diversos pontos da história, que este fosse o instrumento principal a usar. Estaríamos pior, sem dúvida.
Quanto à tourada, é um espectáculo violento, que não me desperta grande simpatia. A existência desse espectáculo no séc. XXI pode ser difícil de justificar, no entanto também é difícil justificar a sua proibição. Qual será o ethos subjacente nela? Uma espécie de auto-determinação do animal, que segundo alguns nunca deveria viver apenas para o propósito de nos proporcionar um espectáculo. E qual será o da não proibição? Uma reserva da liberdade humana, que neste caso se sobreporia à liberdade do animal. De lembrar que a decisão sobre essa liberdade começou a ser feita pelo ser humano na domesticação, há milhares de anos.
No estudo da ética usam-se exemplos de situações limite para tentar explorar questões mais profundas. Há um instrumento clássico em que se põe a alguém um cenário em que há pessoas amarradas em carris, que morrerão atropeladas por um pequeno vagão desgovernado. A única forma de parar esse vagão é empurrando alguém, normalmente um desconhecido, para a linha, parando assim o carrinho e salvando as pessoas.
Exploremos então as situações limite.
Um crente no utilitarismo, que pretendesse maximizar o bem estar do maior número de seres humanos, responderia sem pestanejar que empurraria a pessoa. Um estudo recente revelou que 10% dos seus participantes o faria. Posteriormente, com alguns testes, chegou-se à conclusão que, desses, muitos tinham traços de psicopatia...
A maioria das pessoas, porém, diria que nunca às suas mãos morreria uma pessoa, mesmo desconhecida, mesmo para salvar várias, portanto preferiria não intervir.
A situação complica-se quando a questão que se põe ao utilitarista é que a pessoa a empurrar é seu familiar. Analogamente, para a maioria, a decisão ganha complexidade quando alguma das 3 pessoas lhe é próxima. Aqui pode argumentar-se que quem seguir cegamente a sua ideologia, chegará a uma decisão ainda mais fria do que a dos 10% mencionados acima. Nestes casos, a porta para a escolha menos má, ou se quisermos “cinzenta”, é-nos aberta pela liberdade, um desejável valor humano universal.
Um último cenário: e no caso de estar preso aos carris um animal de que gostamos? Se aplicarmos à risca a crença de que os direitos e a igualdade dos animais devem ser um valor humano universal, o que acontece?
Quer isto dizer que não devemos respeitar os direitos dos animais? Claro que não. Mas há gradações, e podemos não os querer equacionar com a liberdade.
Links interessantes:
O utilitarismo na Wikipedia
The Wicked Souls of Utilitarians na Big Think
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