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2014-05-20

Her, de Spike Jonze

O cinema raramente nos mostra um futuro em que os personagens estão sincronizados com a sua época: por vezes recorre-se a viagens no tempo, mecanismo narrativo eficaz para mostrar as diferenças do tempo para onde viajam; outras vezes, mesmo sendo futuro, é uma espécie de futuro hoje, em que os seus habitantes e as suas atitudes são estranhamente decalcados dos nossos dias.


Na maioria dos filmes de ficção científica a pergunta implícita tem sempre a ver com as consequências nefastas da perda de controlo sobre as máquinas; neste caso, retirou-se esse preconceito e pergunta-se:


"Como será o mundo quando os computadores estiverem presentes em em cada vez mais domínios considerados exclusivos do ser humano? Como nos iremos relacionar com eles?"


Estamos habituados a ver os computadores como executantes eficientes de tarefas complexas e repetitivas, com inevitável orquestração humana e pouco ou nenhum sentido crítico; progressivamente, características mais inequivocamente humanas aparecem e continuarão a aparecer nas máquinas, não só pela sofisticação tecnológica mas também porque cada vez percebemos mais sobre o funcionamento do nosso cérebro e, portanto, de como poderíamos modelar características humanas num computador.


O tema central é uma história de amor entre um humano, Theodore, homem algo desiludido com a vida, e uma assistente pessoal, Samantha, que é muito mais do que isso. A relação passa por várias fases: primeiro, as limitações físicas da máquina dificultam o relacionamento, cabendo ao humano apaixonado tentar mostrar como é que o mundo funciona, moldando Samantha ao mundo e aos comportamentos. A máquina eventualmente apercebe-se de que não tem certas limitações humanas, como por exemplo ter conversas com milhares de outras máquinas sem ter que usar a fala. No fundo acaba, como a nossa espécie, por se adaptar aos seus limites. O relacionamento revela-se impossível por uma clássica incompatibilidade: nenhum deles é menos do que o outro, operam é em domínios diferentes. A máquina desinteressa-se porque, retirando o enfoque do lado físico, consegue manter com outras máquinas milhares de relações interessantes ao mesmo tempo. O humano, como consequência dessa percepção e da óbvia falta do lado físico, desinteressa-se também.


O futuro que rodeia esta história tem diversos pormenores que são mais incrementais em relação ao presente, não havendo grandes descontinuidades.


No entretenimento, o personagem principal joga um jogo de computador controlado pelo movimento e pela fala, em que a interface é holográfica e tudo parece passar-se na sua sala. Ao mesmo tempo, encontra personagens que parecem conhecer-lhe os traços de personalidade e desafiam-no a progredir, duma forma até bastante adulta. A experiência desse jogo é depois discutida em conversas sociais.


Na arte, um regresso inesperado ao passado: uma vizinha mostra a Theodore um documentário que está a fazer para a tese de doutoramento. Vê-se um filme quase parado de uma pessoa a dormir, quase uma foto, sem movimento, sem tridimensionalidade nem efeitos especiais.
Num encontro entre um homem e uma mulher que não se conhecem previamente, a certa altura o homem refere coisas privadas da vida dela, presumivelmente tiradas da internet, e isso não é considerado uma invasão de privacidade terrível... Ela diz apenas "Pesquisaste sobre mim? Que querido".


Her é um filme visualmente rico, com uma estética bem pensada e em que se tentou criar uma futurologia incremental, credível e em relativa paz consigo mesmo; isto permite também mover o foco do filme para os personagens, para a história subtilmente tocante e melancólica que Jonze quer contar com simplicidade.

2014-05-02

The Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson

Onde Wes Anderson encontra Stefan Zweig

O filme Grand Budapest Hotel é baseado num pastiche de várias obras de Stefan Zweig, e tem a ambição de ser um retrato do fim dos tempos áureos da Europa Central, em que tudo parecia caminhar inexoravelmente para o progresso e a modernidade, onde a aristocracia ia cedendo, simpaticamente, alguns privilégios que o povo agarrava, aparentemente contente com as migalhas deixadas. A situação de desigualdade afinava ortodoxias ideológicas que prometiam justiça, conforto às populações, livrar-se de corpos estranhos e voltar a uma suposta pureza. Apesar das construções de ódio que abundavam, a guerra era inocentemente vista como uma coisa do passado, ultrapassada. Esta aparente ordem acaba com o início da Primeira Guerra Mundial, embora no filme se viaje directamente para os tempos anteriores à Segunda Guerra.

A complexidade da narrativa surpreende, como muitas vezes acontece com os filmes de Wes Anderson: com tanto ênfase na direcção artística, um humor único e um leque incrível de actores, o espectador só pode admirar-se de, como numa boa refeição, haver sabor por trás do cenário, e maravilhar-se com a não-linearidade da história e com a imaginação galopante posta no ecrã. Singularidade, assertividade de visão e uma imensa competência de realização são as grandes forças de Wes Anderson, o artista.

Na faceta social e histórica, o filme é influenciado pela obra e pelas próprias notas biográficas de Zweig: o foco no presente sem pensar no que está para vir, a naturalidade com que se encaram as abissais diferenças sociais, a militarização crescente, o nacionalismo galopante, o racismo instítuido, os favores, as corrupções, a inflação são temas abordados mais ou menos explicitamente.

Em termos mais literários e narrativos, da obra de Zweig são reflectidas com assinalável sucesso as histórias dentro de histórias, o repetido regresso ao passado para explicações do presente; normalmente, o início de um simples diálogo antecipa quase sempre uma viagem surpreendente. É também interessante a violenta mistura de contextos, antigo e moderno, isto já é uma criação de Anderson, que introduz um lado de bizarria credível: por um lado, poesias românticas, por outro sexualidades muito mais do que sugeridas; de um lado, a elegância de uma linguagem retirada de um livro do início século XX, do outro, o moderno conforto no uso de obscenidades.

Os personagens M. Gustave, o jovem escritor sem nome protagonizado por Jude Law e Zero Moustafa são habilmente retirados de uma mistura de personagens de "Beware of Pity", sem nunca parecerem completamente decalcados, e é gratificante reconhecer os pormenores. O velho Zero Moustafa, por exemplo, tem o porte que podemos imaginar para Herr von Kekesfalva, o milionário de origens discutíveis, história trágica e coração de ouro que, em novo, consegue o seu dinheiro manipulando uma empregada a quem foi deixada uma herança, por quem acaba por apaixonar-se verdadeiramente. O personagem principal do romance, Anton Hoffmiller, o militar obcecado com os sentimentos dos outros, está mais espalhado; há pontos de contacto no jovem escritor, em M. Gustave e até no militar refinado protagonizado por Edward Norton.

Naturalmente existem também pontos menos conseguidos neste “diálogo” Zweig-Anderson, especialmente na parte do filme que lida com o passado mais distante (1935): a importância dada por Anderson à estética, levada neste filme a requintes incríveis e que tanto prazer proporciona, induz por vezes uma sensação de parque de diversões, com demasiado foco em personagens-boneco e no artesanato; o lado trágicómico de Anderson existe, mas poderia haver um lado mais melancólico, traço distintivo em Zweig e que existe na outra época principal retratada (1968). O fulcral personagem do assassino sem escrúpulos, excelente composição de Willem Dafoe, é desenhado a traço demasiado grosso, óptimo para efeitos cómicos mas destruidor de subtilezas.

Independentemente das possíveis análises, o filme é muito recomendável: retém traços da obra de Zweig e está contido no universo cinematográfico de Anderson, muito dele não pertencente ao reino da palavra.


P.S. Wes Anderson conheceu os escritos de Stefan Zweig, outrora um dos mais famosos intelectuais europeus, há cerca de 7 anos, quando leu o "Beware of Pity", único romance do escritor austríaco, que li com gosto depois de ter sabido deste facto. A ele devo o conhecimento deste intelectual centro-europeu.

2013-11-09

As ideologias de Žižek em Lisboa



O filme “Pervert’s Guide to Ideology”, de Sophie Fiennes, dá continuidade ao seu trabalho com o filósofo esloveno Slavoj Žižek, que é a definição de intelectual multitarefa com queda para estrela pop. O primeiro filme, “Pervert’s Guide to Cinema”, era uma colagem de cenas de filmes conhecidos, com Žižek a analisá-las, na maioria das vezes de uma perspectiva psicanalítica. Além de intelectual inteligente, Žižek tem um distanciamento saudável em relação a si próprio e ao seu papel, o que o torna também uma espécie de “humorista sério”, e é imensamente divertido vê-lo a discorrer sobre uma panóplia de filmes, arranjando ligações improváveis e pondo o seu vasto conhecimento académico ao serviço da cultura mais popular, papel fulcral nestes tempos de divórcios culturais. O filme actual é mais ambicioso, e pretende ser mais geral, porque embora continue a usar o mesmo tipo de linguagem visual, com o pormenor de também usar publicidade e acontecimentos noticiosos, reflecte não sobre o cinema mas sobre a ideologia, quer a sua definição, quer a sua utilidade e consequências.
i·de·o·lo·gi·a
1. Ciência da formação das ideias.
2. Tratado sobre as faculdades intelectuais.
3. Conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais, políticos que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade (ex.: ideologia política).
"ideologia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]
Em Portugal estamos habituados a ligar ideologia com fascismo, nazismo ou comunismo, com esta última a manter-se bastante mais a salvo da carga negativa com que em geral se olha para estes regimes. Como é óbvio, e mesmo sendo marxista e até de alguma maneira proclamadamente comunista, Žižek sabe como é viver sobre uma ditadura totalitária, neste caso a de Tito, da ex-Jugoslávia, que construiu o comunismo balcã paralelamente à linha oficial da URSS. Sobre esse regime, Žižek, neste filme, revela uma muito interessante curiosidade que acaba por ser um elogio amargo à sofisticação da sua censura, especialmente se compararmos com a usual desqualificação intelectual dos censores que operavam em Portugal durante o regime de Salazar. Com o filme “Música no Coração” como fundo, num momento em que, com medo de sucumbir ao amor pelo Barão Von Trapp, pai das crianças das quais é perceptora, a freira Maria regressa ao convento e aconselha-se com a Madre Superiora. Esta, pretendendo ajudá-la a decidir, canta uma música com o refrão “Climb every mountain”, lida por Žižek como uma celebração da liberdade individual; o facto é que esses 3 minutos de filme foram cortados na exibição do filme na ex-Jugoslávia. Este segmento ilustra também a dicotomia entre a esquerda que nunca viveu numa ditadura comunista, a portuguesa, com a que já viveu, neste caso Žižek; o elogio à liberdade individual e alguma desconfiança do estado como máquina burocrática estão completamente integrados no seu discurso - em Portugal, estes conceitos são muitas vezes ligados à direita, o primeiro porque não faz a devida vénia ao colectivo, o segundo porque supostamente nos pode levar à desvalorização e consequente destruição do estado social. Versando a democracia capitalista, Žižek, aqui classicamente marxista, defende que há uma espécie de ordem autoritária que lhe está subjacente, que assenta na maioria das vezes na realização pessoal pelo consumo, ou melhor, na imposição subreptícia de objectivos de vida, alguns difusos e alguns atingíveis, mas que só poderão ser tocados consumindo produtos. Existem sobre este tema dois excelentes segmentos, o da Coca Cola, alvo usual, e o do ovo Kinder - a Coca Cola é vendida como a bebida definitiva, mas no entanto não mata verdadeiramente a sede e, quando está menos do que gelada, adquire um sabor horrível: um exempo do mecanismo de repetição de consumo incorporado no próprio produto. No caso do ovo Kinder, a empresa vende um brinquedo que só se pode ter comendo o ovo, ou seja, um objectivo que só se pode alcançar consumindo o meio, o chocolate, que é o negócio central da empresa em questão. Um dos pontos fortes do filme é o primeiro segmento, que usa a obra “They Live”, de John Carpenter, para reflectir sobre ideologia. O personagem principal encontra uma caixa com óculos escuros e, ao pô-los, consegue ver a “verdade” do mundo que o rodeia, segundo a tese do filme consegue ver a ideologia dominante: o mundo aparece-lhe a preto e branco, nas mensagens publicitárias aparecem palavras como “Obedece” e “Casa e reproduz-te”, o dinheiro tem escrito “Eu sou o teu deus”, etc. Mais tarde, o herói do filme luta com um conhecido, tentando obrigá-lo a por os óculos, a ver a “verdade”, encontrando enorme resistência, preferindo o outro, isto também segundo a tese do filme, manter-se na ignorância. A tese de Žižek é um pouco diferente, e defende que a ideologia não é bem a tal “verdade” escondida, mas sim os próprios óculos que pomos, consciente ou inconscientemente, para ver o mundo; para ver a verdade teríamos que, simbolicamente, tirar os óculos. Expandindo esta ideia, numa ditadura, os óculos são-nos fornecidos mais ou menos explicitamente, desde o nascimento, e há uma arquitectura centralizada, cuidadosamente pensada pelas elites para os legitimar, recorrendo muitas vezes a instrumentos como a violência e a coacção. Parece-me típico que Žižek, tendo vivido sob uma ditadura comunista e vendo o capitalismo também como uma espécie de ditadura simbólica, apele a que se tire os óculos para ver a verdade. E se os óculos forem o nosso cérebro e apenas representem a nossa visão do mundo, como seres humanos imperfeitos e únicos? Nas democracias liberais, as pessoas têm óculos, mas têm muito mais instrumentos para os escolher, ou mais precisamente, para os reconhecer: há uma parte da nossa visão do mundo que nasce connosco, uma parte que vem da família, uma parte que vem da sociedade e, por fim, uma que é exclusivamente do livre arbítrio. Assim, somos livres não por ter uma pretensa visão neutra sobre o mundo, mas por tentar conhecer o nosso edifício ideológico, reconhecer as suas várias partes, as motivações, identificar os preconceitos e as sensações, e assim podermo-nos concentrar no livre arbítrio. É necessário também ter a coragem de perceber o que temos poder para mudar, o que devemos aceitar, aquilo por que devemos lutar e do que é que nunca abdicaríamos. É desta complexidade, das muitas “ideologias pessoais” e dos seus cruzamentos, que vive a democracia liberal, não de tentar transformar cada ser humano num observador neutro e distante. O filme tem muitas outras caracterizações interessantes de ideologia, discutindo extensamente a religião, a arte e alguns eventos recentes como os motins de Londres em 2011 ou o atentado na Noruega de Anders Breivik, e é sempre coerente e corajoso no modo como não torna tabu nenhuma das visões sobre estes assuntos, mesmo os extremismos. É interessante para quem goste de pensar e discutir ideias, e tem uma particularidade, que nos tempos que correm em Portugal é refrescante: tem muito discurso associado à esquerda, crítico do capitalismo e do sistema, mas evita focar apenas o ângulo económico/financeiro; pretende ser mais geral do que isso, mais filosófico, e isso também é bem vindo nos tempos que correm.

2013-08-16

Crítica de Teatro - "Cada Sopro"

“Cada Sopro” é a primeira peça completamente original de um famoso e prolífico encenador australiano, Benedict Andrews. Não conheço o texto em inglês, “Every Breath”, a não ser por excertos, entrevistas ao autor e críticas da cena teatral de Sydney, ao que parece o único sítio onde a peça foi levada a cena.

A história gira à volta de uma família rica, pai escritor, mãe ociosa, filhos gémeos de géneros diferentes; a família, que vive num condomínio fechado, está sob uma ameaça desconhecida, e tem um segurança profissional continuamente a zelar pelo seu bem estar. No aniversário dos gémeos, o segurança é convidado para jantar com a família, e abre-se uma porta para uma orgia freudiana, com a projecção de todos os medos e angústias no segurança, tratando-o como uma figura mística que os pode arrancar da letargia do seu estilo de vida, compartimentado e distante da realidade. No clímax da peça, a ameaça concretiza-se: existe um ataque, o segurança é ferido a tiro e deixa de vez a família, culminando tudo numa catártica sessão de masturbação colectiva, em que cada membro da família evoca o segurança à sua maneira. Neste ponto, existe uma incoerência estranha: na peça original, o segurança é uma figura andrógina, mas neste caso o segurança é claramente uma figura masculina; tendo-se eliminado a androginia original, é estranho que os personagens continuem a referir-se ao segurança como “ele” ou “ela”.

Analisando para além do fogo de artifício sexual, a peça parece pretender apresentar uma visão simultaneamente actual e distópica da decadência dos nossos tempos, com diferenças sociais tão abissais que um trabalho de segurança pode transformar-se numa escravatura, sendo lícito que, para protecção de uma família rica, uma pessoa seja explorada até ao limite da sua dignidade, e que ninguém ache estranho que isso possa fazer parte do seu trabalho e que a estranha relação laboral seja consentida pelo próprio.

Não há dúvida que esta dimensão filosófica existe, assim como uns laivos de surrealismo, mas tal não sobrevive a uma estrutura que está entre o filme pornográfico e o episódio de uma série de zombies. Filme pornográfico porque a tensão que poderia haver é invariavelmente concretizada sexualmente, ficando o espectador com aquela impressão de “ou muito me engana, ou nesta cena toda a gente vai ter sexo com toda a gente”. A parte da ameaça, do suspense, é mais bem conseguida, exactamente por ser mantida mais vaga, concretizando-se principalmente na sonoplastia e na luz, que são excelentes, salvo os discursos finais de cada membro da família, ditos ao microfone mas praticamente imperceptíveis. Presumo que seja uma opção estética, porque a haver problema técnico, sendo esta a última exibição, ele já deveria estar resolvido. 

A performance dos actores é posta ao serviço desta missão-choque, e eles cumprem-na com brio, mas, numa outra camada de análise: tal como na narrativa, haverá aqui outra exploração dos limites da dignidade?
No final, saí com a sensação de um assalto algo gratuito ao espectador, em que as subtilezas foram esmagadas em nome do efeito choque, em que a dimensão intelectual foi tratada à mangueirada em nome do efeito estético, e em que pinceladas freudianas se transformaram em pintura a rolo...

Sábado, 3 de Agosto - última exibição
Teatro da Politécnica

Ficha técnica:

CADA SOPRO de Benedict Andrews 
Tradução Jorge Silva Melo 
Com Ana Bustorff, Cleia Almeida, João Vaz, Pedro Gabriel Marques e Sisley Dias 
Desenho de luz Daniel Worm d'Assumpção 
Espaço sonoro Daniel Romero 
Espaço Cénico John Romão 
Assistência de produção Mónica Talina e Sabine Delgado 
Fotografias Susana Paiva 
Encenação John Romão e Paulo Castro 

uma co-produção Colectivo 84 & StoneCastro

2013-06-19

Interrogações sobre o caso Snowden, o "whistleblower" da NSA

Nos actuais estados democráticos ocidentais, para lidar com o terrorismo, alguns governos decidiram, por vezes de forma unilateral, que a população poderia ganhar em segurança se abdicasse de alguma privacidade e escrutínio às decisões governamentais. Essas movimentações internas foram, segundo as explicações oficiais, fulcrais para evitar ataques terroristas pós-11 de Setembro, e na sociedade tiveram várias ramificações, que de alguma forma vão deixando a sua marca no mundo, na arte, na cultura e, ao que parece, nos próprios orgãos oficiais, como mostram o caso Wikileaks e o recente caso de Edward Snowden, o chamado “whistleblower”. Curiosamente a maioria das traduções para português desta palavra têm uma conotação negativa, culpa da nossa longa passagem por uma ditadura autoritária: bufo, denunciante, delator. Num regime autoritário, a delação por parte de alguns é um alimento vital para a máquina repressiva; uma delação por parte de alguém ligado ao poder é quase impensável, não só pelo castigo adivinhado mas também pela arquitectura centralista deste tipo de regimes. Numa democracia, um regime que incorpora “válvulas de escape” para se defender de concentrações excessivas de poder, o problema é mais complexo. Será que podemos considerar que estas delações representam um caso lícito, ainda que limite, do funcionamento dessas válvulas, ou, pelo contrário, serão eles um sinal de falta de lealdade democrática, alimentada por uma ditadura da transparência, que pode minar as democracias liberais? 

O advento da Internet e a sua democratização da difusão de informação deram novo fôlego a alguns ideais libertários. Há um conjunto de pessoas, vistos por alguns como visionários, que acreditam na transparência não apenas como prática pessoal, mas como ideologia. Paradoxalmente, a sua retórica incorpora paralelos com uma máxima dos regimes autoritários: quem não tem nada a esconder, quem se portar bem, não é afectado pela repressão. Só que toda a gente pode ter algo a esconder, e portar-se mal muitas vezes não é crime: faz parte da liberdade individual de cada um, e a democracia deve incorporar esta ideia; é legítimo que um governo democrático tenha uma certa latitude de acção, especialmente para defender o país de ameaças graves, o que obviamente não o iliba de escrutínio e de regulação.

A própria delação também tem gradações. No caso Wikileaks, apesar de se ter começado por expôr atrocidades cometidas pelos americanos no Iraque, numa segunda fase publicou-se informação relativa a todo o mundo, desde narco-estados até velhas glórias europeias, o que revestiu toda a operação de um certo equilíbrio, apesar das dificuldades que trouxe à diplomacia internacional; no caso Snowden, temos numa primeira fase a revelação de que a NSA, agência de segurança americana, espiava os próprios cidadãos com a conivência de empresas privadas, facto gravíssimo e sempre negado, mas em seguida Snowden desdobra-se em comentários em relação a actos e políticas de segurança dos EUA em relação a países como a China. Qual afinal a latitude legítima de acção de um "whistleblower"? Será lícito dar armas a estados não democráticos, opacos, em nome da transparência absoluta? É que (ainda) não há um Snowden chinês.

2012-04-22

A Es.col.a e o empreendedorismo

Todos sabemos o que é que o colectivo Es.col.a fazia naquela edifício da Fontinha, um bairro no Porto e uma das muitas zonas deprimidas deste País. Sabemos? Talvez não.

O empreendedorismo oscila quase sempre entre duas dimensões: a primeira, e mais comum, é a força de alguém, em liberdade de iniciativa, executar um projecto e assumir o seu risco, o que, com mérito próprio, lhe poderá trazer vantagens financeiras e ascensão social. Um outro tipo de empreendedorismo, é aquele que, analogamente ao primeiro, congrega esforços de pessoas em torno de um objectivo, mas que passa pela transformação que pode operar na sociedade e não pelos lucros.

Não me distanciei ainda do famigerado discurso liberal, mesmo estando a falar de um colectivo do qual fazem parte “sujos anarquistas” que “ocuparam ilegalmente um espaço” e concerteza nunca envergaram um bom fato na vida. Mas não é engano.

O presidente da câmara do Porto, Rui Rio, é um auto-denominado homem de direita. Torna-se muito difícil de compreender que não tenha nenhuma simpatia pessoal por um movimento que vem da sociedade, feito por pessoas que não tiraram nenhum benefício financeiro do que fizeram e nem sequer oneraram o Estado. É surpreendente que a Câmara do Porto não queira apoiar um movimento já existente, e, pelo contrário, o destrua, incluindo até bens doados por cidadãos. Toda esta demonstração de poder e de autoridade com que objectivo? Eventualmente fazer um projecto social.

A sociedade civil não é só um termo que fica bem nos programas de governo, nem é só retórica política. Este caso é um bom exemplo de política de costas voltadas para o cidadãos e para a dinâmica do que conseguem criar, com sacrifício pessoal.

2012-03-18

As Escolas e a Desigualdade


Em Portugal a maioria das pessoas concorda que o Estado deve fazer algo para mitigar a desigualdade, seguindo uma tradição europeia que, no pós-guerra, apesar dos muitos e importantes ajustes de realismo, continua a imperar. Ao contrário dos Estados Unidos, nunca na UE houve uma vontade ideológica predominante, mesmo das várias correntes maioritárias da direita, de sujeitar totalmente alguns sectores de serviço público, tais como saúde e educação, à mão invisível do mercado.

Foi decidido em 2008 que, de acordo até com as políticas da UE de combate à crise financeira, era necessário aumentar o gasto público para criar emprego e injectar recursos na economia. Isto coincidiu com algumas políticas do outro lado do Atlântico. No caso dos países europeus com menos recursos, isto levou a uma situação insustentável por factores internos e externos. Em Portugal houve na sua maioria mau investimento, não reprodutivo e socialmente pouco relevante.

Uma das excepções ao mau investimento foi a criação da Parque Escolar, para reabilitação em massa das escolas do pais. Na prática sofreu do mesmo mal histórico que muitos dos investimentos do estado português: o descontrolo orçamental, alguma opacidade e o favorecimento de empresas com mais peso junto do anterior governo; mas sofreu de um bem: o mérito do que se propunha atingir.

Em termos de oportunidades e confortos, se há sítio onde o estado pode e deve influir na mobilidade social e, por isso, no futuro do país, é na educação. O estado não pode levar as crianças das classes mais baixas às compras ao El Corte Inglês, nem lhes pode proporcionar uma casa confortável, nem as pode apresentar às pessoas certas para singrar na vida, nem as pode levar num avião a ver mundo, nem lhes pode educar e enriquecer miraculosamente os pais. Claro que não pode. Mas isto não quer dizer que não possa proporcionar um ponto de partida mais equitativo para todos.

Quando se visita um colégio privado, mesmo que não falemos em luxo, temos salas bem equipadas, temos recintos para vários desportos, comida saudável e actividades extra-curriculares. Por outro lado, temos em muitos casos uma matriz religiosa e conservadora e elites sociais a serem criadas em circuito fechado, com o conhecimento da realidade manchado pelo meio natural em que se movem.

A Parque Escolar produziu escolas arquitectonicamente interessantes, com conforto térmico (alguns gritam “aqui d’el Rei, o luxo!”) e condições acima da média. Produziu também erros, sem dúvida; que se corrijam, porque tudo o que se possa fazer para melhorar as escolas públicas, dentro dos possíveis, é meritório e pode aumentar a mobilidade social desde cedo. Quem não acredita, que consulte o conceito da mão invisível e o aplique aqui.

2012-02-20

A ética, o utilitarismo e a proibição das touradas

Desde 1 de Janeiro de 2012 que as touradas na Catalunha estão proibidas.

Os defensores da tourada são vistos, provavelmente com alguma justiça, como conservadores dos quatro costados, sem nenhum tipo de flexibilidade para rever os valores e cortar com o passado. Como valor absoluto, não tenho grande simpatia pelo conservadorismo, e seria até desastroso, em diversos pontos da história, que este fosse o instrumento principal a usar. Estaríamos pior, sem dúvida.

Quanto à tourada, é um espectáculo violento, que não me desperta grande simpatia. A existência desse espectáculo no séc. XXI pode ser difícil de justificar, no entanto também é difícil justificar a sua proibição. Qual será o ethos subjacente nela? Uma espécie de auto-determinação do animal, que segundo alguns nunca deveria viver apenas para o propósito de nos proporcionar um espectáculo. E qual será o da não proibição? Uma reserva da liberdade humana, que neste caso se sobreporia à liberdade do animal. De lembrar que a decisão sobre essa liberdade começou a ser feita pelo ser humano na domesticação, há milhares de anos.

No estudo da ética usam-se exemplos de situações limite para tentar explorar questões mais profundas. Há um instrumento clássico em que se põe a alguém um cenário em que há pessoas amarradas em carris, que morrerão atropeladas por um pequeno vagão desgovernado. A única forma de parar esse vagão é empurrando alguém, normalmente um desconhecido, para a linha, parando assim o carrinho e salvando as pessoas.

Exploremos então as situações limite.

Um crente no utilitarismo, que pretendesse maximizar o bem estar do maior número de seres humanos, responderia sem pestanejar que empurraria a pessoa. Um estudo recente revelou que 10% dos seus participantes o faria. Posteriormente, com alguns testes, chegou-se à conclusão que, desses, muitos tinham traços de psicopatia...
A maioria das pessoas, porém, diria que nunca às suas mãos morreria uma pessoa, mesmo desconhecida, mesmo para salvar várias, portanto preferiria não intervir.

A situação complica-se quando a questão que se põe ao utilitarista é que a pessoa a empurrar é seu familiar. Analogamente, para a maioria, a decisão ganha complexidade quando alguma das 3 pessoas lhe é próxima. Aqui pode argumentar-se que quem seguir cegamente a sua ideologia, chegará a uma decisão ainda mais fria do que a dos 10% mencionados acima. Nestes casos, a porta para a escolha menos má, ou se quisermos “cinzenta”, é-nos aberta pela liberdade, um desejável valor humano universal.

Um último cenário: e no caso de estar preso aos carris um animal de que gostamos? Se aplicarmos à risca a crença de que os direitos e a igualdade dos animais devem ser um valor humano universal, o que acontece?

Quer isto dizer que não devemos respeitar os direitos dos animais? Claro que não. Mas há gradações, e podemos não os querer equacionar com a liberdade.



Links interessantes:
O utilitarismo na Wikipedia 
The Wicked Souls of Utilitarians na Big Think

2012-02-15

Da geração na encruzilhada

(Publicado no scribd em 20-11-2012)


Lia há dias as queixas de uma jovem em relação à falta de oportunidades para quem tem um curso superior. É um argumento perfeitamente compreensível, e é triste que tal aconteça. Tem a ver com o que foi indirectamente prometido à minha geração, e veiculado na ideia da licenciatura. Uma promessa que veio de quem acreditava piamente nisso simplesmente porque era o paradigma dominante.

Claro que havia uma nuance que faz toda a diferença: eram poucos os que acediam à educação superior. Felizmente assistiu-se à sua democratização, e isso tem como consequência que um curso superior é cada vez menos um patamar e mais uma ferramenta. Para tornar as coisas mais difíceis, é uma ferramenta que pode ou não ser útil dependendo da conjuntura, do estado da ciência e tecnologia, e até da flutuação dos interesses dos seus possuidores.

Não devemos todavia confundir os “licenciados à rasca”, detentores de licenciaturas, pós-graduações ou mestrados, com o resto da “juventude silenciosa”, que tem poucas qualificações, ainda menos perspectivas e sem grandes hipóteses de aceder a um bom salário. Ou às vezes a qualquer salário.

A curto prazo, para os licenciados à rasca, a resolução passa por alargar as hipóteses de procura. Toda a integração europeia que aconteceu, desde o Erasmus à harmonização de Bolonha às companhias aéreas low cost, não foram meras curiosidades que “eles” fizeram na Europa. O alargamento das hipóteses de procura decorre destas oportunidades. E de certa maneira é bom, porque um curso superior que não tenha hipóteses em Portugal pode tê-las no estrangeiro.

O problema da tal juventude silenciosa é mais profundo, e a sua resolução é mais complexa. Emigração? Sim, mas esses não o fazem pela porta grande. Em Portugal o mercado de trabalho é pouco ágil, os salários baixos... Parece-me ser um dos grandes problemas do país, gerador de um círculo vicioso de mediocridade, tanto na vida dos envolvidos, como nas respostas dadas ao seu problema.

Do ponto de vista teórico, parece-me do mais saudável que há, em democracia, que quem seja privilegiado deixe de querer perpetuar o seu estatuto de forma artificial, e pelo menos aceite lutar por ele de forma justa, em oposição a remover-se confortavelmente da realidade social e viver apenas do que foi adquirido. Isto pode aplicar-se às empresas e às pessoas.

No caso dos bem conhecidos monopólios empresariais, a falta de concorrência inquina a procura pela eficácia no negócio, o que em última análise se reflecte na população. Em austeridade é ainda mais gritante que o Estado na prática subvencione accionistas de empresas, por meio de negócios ruinosos e parcerias nebulosas.

Haveria também vantagens numa maior proximidade entre as empresas e a sociedade, na medida do seu sucesso e grandeza. O exemplo de uma grande empresa de distribuição “querer talhantes e não os ter porque o Estado não os forma” é crasso. Como é que uma empresa que deveria ser um exemplo de empreendedorismo em toda a linha não abre ou patrocina essas escolas de formação? Porque não criam fundos de apoio ao ensino? Porque não fazem mais pelas artes?

E as pessoas? Como é que o enunciado anteriormente, sobre a perpetuação artificial de estatutos, se aplica às pessoas? Um exemplo sensível: a renovação do mercado de trabalho. A sua flexibilização é algo que deve acontecer, porque a solução para a precariedade não é simplesmente converter os recibos verdes em contratos a tempo indeterminado; por muito que custe, a solução para esta desigualdade é que alguma precariedade se incorpore nos contratos normais de trabalho. É polémico, sim, mas às vezes é preciso romper com o passado.

Motins de Londres (2011) vistos de Portugal

(Publicado no scribd em 08-09-2012)


Portugal é um país historicamente conservador. No entanto, desde o 25 de Abril, a esquerda, com laivos mais ou menos radicais, sempre dominou na retórica social e política; as suas idéias sempre foram consideradas “mais correctas”, “mais nobres”... em suma: na minha análise sempre houve uma superioridade moral da esquerda, concedida até muitas vezes pelos próprios adversários políticos.

Este efeito levou a que muita direita, mais ou menos radical, estivesse, por assim dizer, no armário. Neste momento parece-me desnecessário que lá estejam, é positivo que haja multiplicidade de discursos, de idéias, mesmo das mais radicais. Também é preciso coragem para as submeter à opinião e ao contraditório. Isso é a minha concepção de democracia.

Por ocasião destes motins em Londres, que confesso me chocam bastante, muita opinião produzida cai na velha dicotomia das duas facções: os amotinados são uns coitadinhos, vítimas do sistema versus os amotinados são criados pelo estado assistencialista e pelo multiculturalismo.

Qualquer uma destas análises simplistas é extremamente reconfortante, e extremamente errada. A primeira facção tenta justificar os motins com o neoliberalismo e o capitalismo, e rejeita ou secundariza que se precise de repressão; a segunda facção quer repressão e diz que nenhum trabalho social preventivo há a fazer, porque “eles” são mesmo assim, são como animais que só estão felizes a roubar e a aterrorizar os cidadãos. “Eles” são normalmente apontados como imigrantes, o que até nem é exacto, neste caso.

Há muita gente a defender um discurso de ódio sem se dar conta, pensa apenas que está a ser “desalinhado” com a generalidade da opinião pública e a vingar-se da tal superioridade moral da esquerda. Pensa que tem mais razão por ir contra a corrente. É o discurso do taxista, mais ou menos refinado. Ao ler algumas reacções a esta tragédia chego à conclusão que muita gente aceita uma das teses defendidas pelo executante do massacre na Noruega, Anders Breivik: o multiculturalismo é o papão e raiz de todos os males. Só que simplesmente na altura não teve coragem de o assumir.

A minha análise parte das idéias rejeitadas pelas duas facções radicais: tem de haver uma acção dura da polícia, tentando não recorrer a tácticas terceiro-mundistas que transformem Londres em El Salvador. Tem de haver muito mais presença da autoridade, e muito mais dissuasora. Por outro lado, é óbvio que terá que ser reforçada a vigilância e o acompanhamento social a situações que, todos nós sabemos, resultam nesta marginalidade. Os cortes cegos de Cameron, tanto na polícia como no acompanhamento social nos bairros problemáticos, podem ter que ser revistos. Até pode ser a tal “Big Society”, mas é preciso que não seja só um conceito. É preciso que exista. Não nos podemos é dar ao luxo de fechar os olhos às várias perspectivas de análise deste tipo de criminalidade oportunista, sob pena de termos de aceitar viver neste tipo de insegurança. E depois o que fazemos? Distribuimos armas à população? Voltamos ao faroeste.

Tragédia Grega?

(Publicado no scribd em 29/09/2011)


Já há muito que a situação em que a Grécia está envolvida me faz confusão. Como é que um país com aqueles pergaminhos, com aquela grandeza clássica, está naquele estado?

Conhecer o legado dos clássicos gregos, mesmo que superficialmente como eu, é conhecer também o presente. É irónico que num momento em que a Grécia se desmorona, eu esteja a ouvir aulas de retórica da Univ. de Berkeley (no iTunes U), aulas essas que obviamente se socorrem de muitos conceitos, textos e exemplos gregos.

A cultura grega é o início da nossa cultura, especialmente se usarmos a palavra na sua acepção mais moderna. A desvantagem de "ninguém" conhecer o grego é não apenas tornar os clássicos mais distantes, mas também não conseguir sentir o pulso daquele país, e perceber como é que os Gregos vêem a sua própria situação.

Encontrei dois sites de jornais gregos, mainstream, que publicam em Inglês, o Athens News (http://www.athensnews.gr) e o ekathimerini (http://www.ekathimerini.com). Traduzi também um site em grego no Google Translate, o comunista e algo radical (http://www1.rizospastis.gr), que poderia ser uma versão grega do Avante não fosse o ligeiro pormenor de usar muito a palavra (lá estão os clássicos) plutocracia.

Eis o que retirei, sem nenhuma ordem especial:

  • Os direitos adquiridos são muito mencionados, especialmente os dos funcionários públicos. Tenta evitar-se a diabolização destes últimos, embora admitindo que muitos não tem grandes qualificações e que estão lá porque dantes saía-se da faculdade e ia-se para o Estado.
  • Há um projecto de lei do governo que permitiria um referendo em qualquer circunstância, dando como exemplos de uso uma moção de confiança ao Governo ou uma pergunta sobre a saída do Euro. Quem escreve o artigo de opinião diz "não precisamos de perguntas, precisamos de respostas"
  • Há uma sondagem de opinião num dos jornais mainstream em que a saída do Euro e regresso ao Dracma está a ganhar.
  • Foi passada uma lei que obriga ao pagamento de uma taxa/imposto sobre a propriedade; o vice primeiro ministro, que ajudou a passá-la, diz na TV que não sabe se tem dinheiro para a pagar e que talvez tenha que vender uma das 8 casas. À pergunta do jornalista "e se não puder mesmo pagar?" ele responde "não sei, o Ministro das Finanças que me mande prender"
  • Fala-se muito de outro haircut da dívida, depois dos 21% de Julho, e que pode chegar aos 50%.
  • Há um tal de Makis Psomiadis, executivo do futebol com um historial de 40 anos em acusações e condenações que vão do tráfico de ouro à fraude fiscal passando pela chantagem; está neste momento em tribunal por alegadamente ter um esquema de apostas ilegais em jogos de futebol que ele próprio influenciava/comprava. Entretanto saiu sob fiança de 600000 euros que supostamente não teria porque fiscalmente não se lhe conhece riqueza.
  • O governo introduz impostos e taxas em tudo o que pode, incluindo a já falada taxa sobre a propriedade e uma taxa sobre o gás natural, grande aposta energética há uns anos, o que fez com que muita gente tenha convertido os seus sistemas energéticos.
  • O Primeiro Ministro, socialista do PASOK, quer reformas, mas os ministros demonizam o memorando e sabotam-nas por uma questão de imagem política, não querendo arriscar danos para a sua futura carreira.
  • O partido da Nova Democracia, centro direita, que segundo me lembro muito ajudou na situação do endividamento do país, está à frente nas sondagens, dizendo que os gregos não aguentam mais impostos.
  • No tal jornal comunista, o discurso é muito parecido com o do nosso Avante. Uma frase: "As medidas do governo vão provocar a aniquilação das massas populares, para salvar os nossos credores, o capital acumulado da plutocracia, a Zona Euro e a competitividade". Interessante, a competitividade ser apresentada como algo mau.

Mais do que querer inferir paralelos, dolorosamente óbvios, com alguns aspectos da sociedade portuguesa, a minha principal conclusão é esta: reagem ao que "lhes está a acontecer" e não há um discurso claro do caminho que se quer que o país siga. Além disso há muito pouco de pensamento político e de filosofia.

Nem que seja para honrar o legado dos clássicos, esperava-se mais.